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Má moeda ou limão?

por Ricardo Reis, Publicado em 17 de Outubro de 2009

O drama da nossa política é que as pessoas de valor não se querem misturar com os medíocres e acabamos por só ficar com estes últimos

Alguns resultados em diferentes disciplinas são tão marcantes que ganham uma vida própria. Num artigo famoso há cinco anos, Cavaco Silva aplicou a "lei de Gresham" à política nacional, interpretado por muitos na altura como uma crítica a Santana Lopes. A lei de Gresham diz que a moeda má expulsa do mercado a moeda boa; o equivalente na política seria dizer que os maus políticos expulsam da vida pública os bons políticos. Porém, quando se percebe o significado da lei de Gresham, esta ligação é menos clara.

Até há poucos séculos, o dinheiro consistia em moedas de metais preciosos. Os reis emitiam moeda com intervalos de alguns anos e obrigavam por lei todos os súbditos a aceitarem-na como pagamento nas transacções comerciais. Não era por isso raro haver mais de uma moeda em circulação: a moeda de prata de 1650 e a moeda de prata de 1660. Acontecia também que, uma vez que a prata tem outros usos para além da moeda, o rei cedia à tentação de, em 1660, emitir moedas só com 80% de prata, enquanto as moedas de 1650 tinham 100% de prata. Imagine agora o leitor que tem moedas de ambos os tipos no bolso e quer comprar um bife no mercado. Qual delas vai usar para pagar? Claro que vai ser a moeda má, de 1660, porque esta vale menos, e o vendedor é obrigado por lei a aceitá-la como se fosse igual à moeda boa. Como isto se aplica a todos nós, a moeda má vai rapidamente tornar--se a única moeda usada nos pagamentos. A moeda boa é guardada, ou mesmo fundida e transformada em jóias.

Qual é então a ligação deste princípio à política? Os políticos bons são aqueles que queremos guardar, enquanto os maus são aqueles de que nos vemos livres na primeira oportunidade. Mas então a boa moeda era Santana Lopes, que ficou em Portugal, e a má moeda era Durão Barroso que passamos para Bruxelas. Acho que não era isto que Cavaco Silva tinha em mente.

Há outro princípio de economia que assentava como uma luva à intenção do presidente. O "mercado de limões" refere- -se ao mercado de carros usados, porque nos EUA chama-se "limão" a uma lata velha. Se os compradores não sabem distinguir entre os bons e os maus carros usados, só estão dispostos a pagar um preço que seja uma média do valor de ambos. No entanto, os vendedores dos bons carros usados não vão estar dispostos a vendê-los abaixo do seu valor, por isso retiram-se, e o mercado acaba por ficar só com os limões.

Na política, as pessoas de valor pensam que os eleitores não sabem distinguir a qualidade nas eleições. Assim, como não se querem misturar com as maçãs podres, puxando para baixo a avaliação do seu valor, preferem ficar de fora da vida pública. Só ficamos com os maus políticos.

Penso que o que Cavaco Silva queria chamar a Santana Lopes não era má moeda, mas sim limão.

Professor de Economia, Universidade de Columbia

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